Tudo se inicia quando viajeiro improvisa as rosas no jardim, no canto, no canteiro; organiza a mochila; pincela os cabelos cheios e negros da namorada, arruma-lhe o travesseiro, beija-lhe as coxas firmes, os lábios volumosos, marrons e belos; reconhece-lhe a formosura, o encanto, o prazer; dela vem tudo que é verde, vermelho, azul, no colorido dos tons a mais que brotam fácil do seu sorriso de mulher feita, forte, feliz. Viajeiro prepara a despedida; compõe aos verdadeiros amigos, para que não lhe esqueçam (é essa mania sua de querer ficar nas coisas desse mundo para sempre), faz poesia, joga o cartucho na agulha e prepara a vitrola, o tiro, o golpe, o vinil, a fuga. Traça os primeiros traços do rosto dela no papel, pra rememorar, os rasgos, a boca, os rios, a obliqüidade dos movimentos dos olhos, as curvas do queixo; ela deverá ter um rosto belo e turvo, e largo, qualquer, do tipo que dividia o velho Egito, assim, algo meio dinástico. Viajeiro a deixa pra trás; sobe no trem.
É dezembro, Francisco nasce; don’Ana manda Chico comprar leite; dá dinheiro contado; não dá pra doces, não! No trajeto, na corrida, na ida, ainda não havia nada no meio do caminho, nem a pedra, não. Somente sua mãe, que dela só um afago, carinho rápido, que fosse algum ele queria. Mas não, não! E menino vinha já voltando, de pé no chão, quase chega correndo, se não cai; derruba o leite, a alegria, o pão, então, então ... lá vem Don’Ana; menino no chão, pêa, pisa, cascudo; começa a vida, com tropeção, ainda tão quente o caminho e já chega sua primeira lição, lágrima, rosto e frio; nada de leite; nada de pão.
Enquanto Chico ia, de pé em pé na padaria, Zeus colocou seus longos dedos brancos no globo e o fez girar, e foi dar uma volta, ver uma de suas namoradas ninfetas. Foi o tempo de Eva se aproveitar e chamar sua amante, gritando “chega de rima! Aceito sim o que vier da tua língua, da tua sina, ó minha Senhora, escarlate de tudo que me faz bem! Serpente minha!”.
Pois é! E já um pouco depois, na conhecidíssima Cidade de Atlântida, todos corriam nus e armados de paus, eretos, já bem antes dos jardins suspensos secretos da futura Babi; do lado de fora do bar, de mãos dadas, estavam dois bêbados, também Tristão e Isolda, Dalila e Sansão, Desdemona e Otelo, e as mais quentes estórias de amor, que fariam corar mesmo o primeiro grande rei Uno; segundo uma dessas madrugadas esquecidas, no pé do meu ouvido, lá pelas bandas do velho testamento, a Rainha de Sabá conheceu um apaixonante instrumentista, que lhe tocou a alma, as cordas, fazendo-lhe calar, vibrar, e sonhar coisas nada sagradas, dessas que nunca vêm na Bíblia, por não se tratarem de preceitos, mas de delírios; o invencível exército espartano ofereceu ao mundo as mais belas estórias gays de amor; já o estadunidense não ficou atrás, ficou também de frente, de cinco, de quatro, de lado, pois se não for de baseado não tem vietcongue pro jantar; a índia Guaporé quase abandona seus dois filhos lusitanos; é que Portugal se iniciava no seu mar vermelho (Sangue, a vista!); naquela noite, a Marquesa de Santos preparou algo especial para Ele; um sargento alemão abandonou seu destacamento em nome de una bella ragazza siciliana, com quem teve três filhas, e uma delas pode ser você. Olga Benário teve um grande amor que ultrapassou o Atlântico, as verdades do historiador chinfrim e 1942; em 70, nos anos de chumbo, os militares do Regime não sabiam fazer amor, suas mulheres, coitadas, ainda não conheciam os shoppings centers! A Rede Globo aprendeu muito com os "pé preto", a torturar e enganar (além, é claro, de tê-los ajudado um bocado no golpe de 64); em 1982, Thatcher, antes de atacar a Argentina, e mostrar toda sua masculinidade cruel, foi numa cafeteria, destas muitas dos subúrbios londrinos, e terminou um tumultuoso romance com a sua ex-secretária Mary Little Flower; segundo reportagem da Revista L’Amore, já não fazemos tanto amor, fazemos, preferencialmente, compras on line; no centenário da morte de Renato Russo, tudo, tudo ficou um pouco mais castanho, como a tempestade que chega e que é da cor dos teus ... , trazendo o triste e derradeiro arrepio da sua partida, e vago o lugar privilegiado da melhor música-poesia do Brasil; escuto o arrastar férreo dos tanques de Tel Aviv (ou será de Uoxintom), o sussurrar cuspido e fétido dos generais estrelados. Rapido! Escondam as crianças palestinas, afegãs, iraquianas, pois a neurastenia vem fardada, com seus coloridos e diversos brevês de bravura nas fardas dos oficiais. Não me esqueci da África, mas do Movimento Negro Mundial que desconhece o massacre da Guiné dos séculos XVI e XVII e nunca sequer ouviu falar nos Tutsis do Zaire.
Construam logo suas tendas coloridas e chamem seus verdadeiros irmãos, amigos; convidem todas as primaveras mais azuis; enfeitem seus corpos; refresquem seus olhos e os seus sonhos mais bonitos; suavizem suas últimas manhãs; as estações passam; o trem segue... C'est la vie.
A festa vai começar só mais uma vez ... Não há abraços, rapazes! Dancemos todos, dancemos juntos, apesar dos espinhos; Esperemos o Blues de B.B king terminar; o mundo acaba ali na esquina, daqui a 15 minutos ... Venha minha menina, dos lábios volumosos, marrons e firmes, venha me beijar ... Desço na próxima estação.
Francisco Gutemberg, ser humano, irmão, amigo, brincalhão, escritor, poeta, feliz, o que pensa por si mesmo, forte.
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