De família de baixa renda, Zezinho aos 10 anos de idade não aceitava a vida que levava e não compreendia a diferença entre as classes sociais. Cresceu ouvindo que Deus era o pai de toda a humanidade e que todos os humanos eram iguais diante do Criador.
Não entendia o porquê da fome , dos sofrimentos financeiros e de outras demandas peculiares aos pobres. Não digeria a ideia de tanta diferença entre as pessoas no tocante as dificuldades da vida.
Se Deus é o pai de todos, quais são os motivos de tantas mazelas entre os humanos? Não aceitava os ditados: Filho de peixe, peixinho é e sempre será, filho de gato, gatinho será. Para as espécies irracionais é natural, uma vez que uma piaba jamais evoluirá para uma baleia ou um tubarão , um filho de gato jamais se transformará em um leão, nasce gato e morrerá gato.
Na espécie humana é literalmente diferente, o filho de um pedreiro, de um marceneiro ou de um zelador pode muito bem ser um professor, um médico, um advogado , um jornalista, um empresário de sucesso ou um filósofo, basta ser assistido pelos poderes públicos com seriedade e fazer a sua parte: estudar e dedicar esforços nas suas tarefas. Todos os seres humanos normais nascem com inteligência e são capazes de evoluir , precisa apenas explorar o cérebro com todos os meios disponíveis, assim pensava o menino.
Perguntava o porquê alguns tinham escolas, casas, hospitais, roupas , mordomias e outros não tinham . Na sua cabeça estes fatos não encontravam paradeiros, não estavam ao alcance do seu pensamento. Um pai tem que olhar para todos os filhos sem diferenciação, era este o padrão que Zezinho possuía na sua caixa cerebral.
O Zezinho chegava em casa e não encontrava os utensílios domésticos que existiam na casa do patrão do seu pai , não entendia porque teria que dormir em cima de um girau, enquanto o filho do patrão dormia numa cama alta, cheirosa e fofa. Como explicar se Deus é o pai de todos? Será que Deus gosta mais de um filho do que do outro? Será que ele só gosta dos ricos? Será? A cabeça do Zezinho vivia em eterna polvorosa , vivia em voçoroca.
O Menino cresceu e virou homem, passou a entender o teorema da vida , as engrenagens sociais e a enxergar que existiam as classes sociais desde o surgimento da humanidade. Encontrou indícios que as oligarquias e os poderosos faziam e fazem de tudo para que cada indivíduo se perpetue na sua clausura social, preso, fechado e blindado, ali nasceu e ali morrerá.
O moço passou a entender que para pular de um degrau para outro, de uma classe para outra , o indivíduo tem que ser ousado e ir em busca dos seus direitos . Entendeu que o humano não pode baixar a cabeça , não deve rezar na cartilha da subserviência e sempre dizer amém numa ladainha decorada e conformativa. O sujeito tem que lutar e insistir contra os pensamentos dominantes das castas superiores , partir para uma luta democrática e exigir melhores dias para todos os seres humanos.
O Zezinho entendeu que o sujeito para sair do fosso, tem que fazer uso das ferramentas que as castas superiores utilizam, tem que estudar, se esforçar, não cair nas tentações impostas pelos dominantes , o oferecimento crônico do pão e circo, como se a vida fosse apenas entretenimento e bucho cheio, isto coaduna com os irracionais domésticos, notadamente os cães, pois os silvestres lutam cotidianamente pela vida e pela liberdade, muitos chegam à morte na defesa de sua prole.
O Zezinho botou na cabeça, que apesar de existir uma carta nacional chamada Constituição Federal, só lutando, brigando, exigindo, cobrando, se esforçando, se dedicando e correndo é que conseguirá subir na escala social e sair do fosso no qual nasceu. Compreendeu que o único e melhor caminho é no aproveitamento escolar, principalmente na base, na raiz, no caule, na primeira fase da vida.
O Zezinho compreendeu que até os 18 anos, o homem tem que dedicar todos os esforços no aprendizado para um bom futuro na vida. O aprendizado de uma profissão, uma atividade esportiva ou artística, tudo com a tutela da Escola, sem estes predicados continuará eternamente na base da pirâmide social sempre fazendo força e sendo esmagado pelas demais camadas sociais. Continuará na famigerada renda baixa, viverá sem pensamentos próprios e sem autoestima. Sobreviverá de ajudas, das malditas ajudas sociais e sem persosnalidade, viverá como folhas secas entregues ao vento.
O Zezinho acordou em tempo, venceu todas as barreiras e pede que todos lutem e acordem, sigam o seu exemplo. Descobriu que a caixa é blindada, quente e as paredes grossas, porém existe uma saída. Uma porta estreita , esguia, dolorosa e requer muitos esforços, coragem e força de vontade para transpô-la.
Requer foco, resiliência e determinação, é a única comunicação honesta entre as classes sociais. A porta existe, cabe a cada um encontrá-la. A chave , segundo Zezinho, encontra-se nos bancos escolares, que é a uma das propriedades para a sua conquista. Ao vencer esta etapa a porta deixa de ser invisível.
O que deixava e ainda deixa o Zezinho indignado é que ainda hoje, o ingresso numa boa escola é o normal para os que estão nas classes sociais mais altas, para os da raia baixa as dificuldades são abissais . O Zezinho não se conforma com este modelo, se antes se preocupava com a cama, o estômago e as vestimentas, hoje a sua preocupação é com a mente, a liberdade, os direitos e deveres , a isonomia nas oportunidades e o futuro da humanidade .
Zezinho faz uma observação que ele acha cabal, diz que as crianças que nascem nas classes sociais mais altas e de pais que estudaram, ao sair do útero da mãe já recebe uma ferramenta para abrir as tão importantes portas. Todos recebem uma chave mestra universal, muitos as perdem e ficam perambulando sem rumo e sem prumo pelo mundo, porém é bem claro, os que nascem nas camadas baixas têm que procurar a sua chave e quando encontra-la não pode perder a oportunidade de utilizá-la com sabedoria e dedicação durante a vida.
Viva o Zezinho e que os outros sigam o seu caminho.
Basta força , insistencia, coragem e resiliência.
Basta ser mais um ZEZINHO.
Iderval Reginaldo Tenório
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