Recordo claramente como se fosse ontem, quando me dirigia até a caixa de correspondência para verificar se havia cartas à minha espera, ou quando o carteiro soava a campainha para trazer todas as mensagens. Era uma época especial, em que a troca de correspondências expressava alegria, sentimentos de esperança, tristeza ou até mesmo alguma surpresa. Cada carta que chegava era uma verdadeira emoção, uma maneira de saber se estava tudo bem, as novidades, além das trocas de fotografias com os registros de cada lugar, receitas e orações. No entanto, no dia seguinte eu me sentava e com a caneta colorida com um entusiasmo transbordante escrevia como de praxe no topo da página “querida amiga”. Incrementava por meio de colagens e adesivos e aos poucos a carta começaria a ganhar vida com os detalhes que eu pretendia compartilhar.
Você ainda mantém o costume de escrever cartas? Quando foi a última vez que recebeu ou enviou uma carta manuscrita pelos Correios? Naquela época, era raro encontrar uma jovem que não tivesse uma caixa de papel repleta de cartas de diferentes formatos e temas, contendo ilustrações adoráveis e poesias. Gostaria muito de saber sua opinião sobre isso. Ficava sempre feliz e emocionada ao lembrar que costumava visitar papelarias em busca de papéis com cheirinhos e com ilustrações que transmitiam delicadeza. Colecionar os papeis de cartas era um hobby para mim, eu catalogava numa pasta principalmente nas décadas de 80 e 90, eram decorados com desenhos coloridos e vibrantes, pura magia e encanto.
Ganhar papel de carta era um gesto amorável, assim como os tradicionais cartões natalinos musicais, artesanais e criativos que encantavam. Ainda existem pessoas que não perderam essa tradição, apesar da dedicatória escrita à mão. No entanto, com o decorrer do tempo, tornou-se cada vez menos popular entre as novas gerações, uma vez que o mundo virtual se tornou cada vez mais veloz e, consequentemente, limitaram o contato pessoal. Notei como esse gesto torna as relações mais humanas e pode criar laços genuínos. É fundamental dedicar um tempo para refletir sobre o que queremos transmitir, e isso se manifesta através da nossa escrita, que é singular e revela muito sobre nós.
Hoje em dia, na era digital, é incomum encontrar pessoas usando papel e caneta para se comunicar. Estamos mais focados em obter curtidas e tendemos soluções rápidas para tudo. Entretanto, essa pressa frequentemente nos leva a enfrentar conflitos nas relações, pois nem sempre pensamos bem antes de falar ou escreve. Perdemos esse feeling e, para balancear com o digital, necessitamos de permutas salutares. Teve um momento que me pegou desprevenida, mas foi emocionante. E você diz: Uau! Quando recebi uma carta de uma amiga querida informando que seu filho aprendeu a escrever e as primeiras palavras que ele colocou no papel foi uma carta para mim, onde escreveu meu nome com sua própria mão.
Até hoje, guardo uma caixa repleta de todas as cartas e cartões postais que recebi dos amigos(as) que se mudaram para outros países. Nelas, eles dividem suas dificuldades, a mudança de idioma, as tradições, a gastronomia, a cultura, as lutas, decepções e conquistas. Há todo um ritual que resgata memórias agradáveis, proporcionando uma verdadeira viagem. Você tem alguma carta guardada?
Uma das cartas que redigi foi destinada aos meus familiares em 2008, quando, para minha surpresa, recebi uma carta anunciando que meu texto havia sido um dos vencedores da primeira edição do concurso “O canto das letras”, organizado pela equipe da revista De Mulher para Mulher. O concurso contou com uma ampla participação, com muitos textos e crônicas de autores de diversas cidades. Esse foi o ano em que comecei minha jornada na escrita, e desde então, nunca mais parei.
O papel raso, a escrita viva cria uma tapeçaria de lembranças, resgatando afetos, relembrando acontecimentos, surpreendentemente, até mesmo o esquecimento. Ao descobrir, por meio de amigas que não mantinham contato, que motivos a levaram a explorar novos caminhos na vida e, consequentemente, se afastar, percebi que ao mencionarmos o passado, já não recordávamos suas feições e acabou se distanciando, e quando a gente tocava no assunto já tinha esquecido da fisionomia. As conversas se entrelaçam sutilmente, como um fio que conduz a transformações. As pessoas mudam e nesse hiato é importante resgatar as memórias perdidas, entendendo cada circunstância.
Dirigi-me ao meu armário e procurei minha caixa de recordações. Foi quando me lembrei de uma velha amiga a quem não vejo há 22 anos e gostaria de ter notícias dela. Ela escrevia com frequência, pois tinha uma sensibilidade extraordinária e um talento singular para selecionar as palavras certas na hora certa. A mensagem que ela me enviou naquele momento foi profundamente marcante e eu gostaria de compartilhar essa lembrança com você.
Era uma vez uma ilha onde moravam todos os sentimentos. Um dia, a ilha começou a afundar e os sentimentos resolveram abandoná-la. O amor gostava muito da Ilha, decidiu permanecer nela enquanto pudesse aguentar. Quando a ilha já estava quase toda submersa, o amor avistou a vaidade em seu barco e pediu:
- Vaidade me leva com você?
E a vaidade respondeu:
- Não vai dar amor meu barco é novo e vai molhá-lo. E foi embora.
Não demorou muito, passou o egoísmo:
- Me leva com você? suplicou o amor. E o egoísmo respondeu:
- Impossível. Meu barco só tem um lugar para mim. E foi embora.
Logo depois passou orgulho e fingiu não ouvir o pedido do amor.
Quase desistindo de fugir da Ilha o amor avistou um velhinho que, do seu barco lhe falou:
Vem amor, eu levo você até a outra ilha.
Sem hesitar, o amor subiu no barco. Quando chegaram em terra firme o amor agradeceu o velhinho e desceu.
Da praia, ficou acenando até o barco sumir no horizonte.
Ao ver a razão, que se aproximava, o amor lhe perguntou:
- Razão quem era aquele velhinho?
- Aquele velhinho era o tempo, respondeu a razão.
- E por que só o tempo me colocou em um barco, quando todos os sentimentos negaram a me levar?
- Porque só o tempo é capaz de entender e carregar um “grande amor”, respondeu a razão.
Tenho a satisfação de dizer que a escrita é ao mesmo tempo, terapêutica, porque você abre um diálogo, cria memórias marcantes, faz você se sentir bem.Cria uma rede de significados, suas vivências, experiências e desejos, é colecionar momentos, dividir narrativas, é manifestar afetos. Já pensou em escrever cartas para si como se fosse um diário? Isso ajuda a aliviar o estresse do dia a dia. Não é tão complexo como você pensa. Apenas deixe a criatividade fluir. Use a escrita como uma forma de expressão de ideias e sentimentos. Dessa forma, conversar com alguém que está passando por um momento difícil ou optar por redigir uma carta terapêutica pode trazer resultados muito parecidos e, de fato, muito efetivos! Reflita sobre aquela pessoa a quem você gostaria de ter expressado algo, mas por algum motivo não conseguiu. Redescubra o valor desse gesto e deixe-se surpreender.
Moni Praddo
Baiana, jornalista, escritora, colunista, curadora de arte, poeta, jornalista de moda, empresária da moda, ativista literária apoiando e incentivando a escrita como ferramenta transformacional na sociedade. Escreve com inspirações ligadas a espiritualidade, cosmologia, a natureza e seus componentes, e também com uma forma de inspirar pessoas na busca de melhores relações saudáveis e que seja um arauto na transformação do mundo. Bacharel em Musicoterapia pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL) com especialidade na área geriátrica, neurológica e gestacional, com mais de 26 anos de experiência clinicando como Terapeuta. Atua como Colunista da revista metropolitana (Camaçari), e como colaboradora e colunista do jornal do povão (Aracaju),, revista projeto autoestima, revista trama(BH). Participou da antologia poética Lura editorial café, pão e poesia, poetas em construção, e enlace poético, Atualmente participa semanalmente do programa de olho na cidade na rádio Jubileu FM (Aracaju) com abordagens e temáticas diversas sobre bem-estar, humanismo, vida, respeito, valores, comportamento, Consciência, espiritualidade, saúde psicoemocional, autoconhecimento entre outros onde compartilho reflexões para inspirar autoconhecimento.
Mín. 24° Máx. 27°