Geral Crônica

CARTA DE AMOR

Das coisas que se pensam sob as asas dos aviões

19/06/2025 às 13h53 Atualizada em 19/06/2025 às 14h11
Por: Redação I Fonte: Francisco Gutemberg
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Foto: Divulgação
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Daqui da varanda, 9º andar, querida Nara, bom que lembrei de ti essa noite; vejo o Aeroporto Dois de Julho, as enormes aves metálicas pousando e subindo, em luzes amarelas e azuis cravadas no chão, à esquerda dos postes de luz intrometidos da Av. Paralela, que parecem até alfinetes de pontas iluminadas, meio futuristas, meio darks, meio nada! E se a vista sobe um pouco mais, não é que já se percebe a lua hoje especialmente mais redonda, e formosa, na lembrança de ti, daqueles teus olhos falantes, dialéticos, castanhos claros, formosos, cautelosos, ...das boas lembranças dos tempos escolares, saudosos... Pois,  tempos que não voltam mais, que não mais assinam sua presença no risco pálido da terra, mas no nosso espirito, na nossa pele enrijecida, nos nossos sonhos adolescentes, caros, antigos, nos arrepios das memórias mais loucas e românticas, ternas, das primeiras grandes descobertas da vida, das inocentes alegrias.

Pois é, querida Nara, lembrei de ti nessa noite.

- Ela beijava macio, quente, dos seus 1,55m, linda, empinada, ligeira, esperta no olhar, encantava Daniel. Estudavam na mesma sala, 3º ano A, noturno, Colégio Central, Nazaré, na Salvador que não existe mais, que se perdera no tempo e no encanto, deixada para trás, no ano de 1987. Na sexta, as aulas só iam até às 20h30; a quadra de futebol nos esperava quase às escuras. Além de nós, o vento frio já quase junho, o velho carvalho e as três amendoeiras à nossa guarda; havia também o Fê (Fernando), a Aninha, a Marli, o Arlindo, Nara e o João. O vinho Sangue de Boi não era tão ruim como hoje, e ainda chegava gelado, cada um já trazia de casa seu próprio copo; Arlindo, o violão; Marli, o rádio Philco; eu, a voz rouca e a esculhambação; os demais, a vontade suficiente de não quererem voltar pra casa tão cedo, de se deixarem às vontades de Dionísio, da alegria de uma boa e acalorada conversa de bons amigos.

- Naquela sexta, Marli separou umas K7, Bryan Adams, Bonnie Tyler, Cartola, U2, Legião, The Mission, Ellis, Nara Leão e Rolling Stones. Dançamos antes do violão de Arlindo, do vinho bater, da cantaria costumeira, das minhas piadas,... no rádio. Os vigilantes nos deixavam quietos, tomavam o trago deles, falavam qualquer bobagem, e saiam. Anos 80, da última grande geração, das mais rebeldes e perigosas, dos tempos de buscas e de lutas por espaços, do verdadeiro enfrentamento, da quebra de antigas e covardes verdades, na construção de outras, novas, mais ricas porque aventureiras

- Aninha puxou, do nada, uma dança comigo, me disse que tava tonta e contente, que já tinha aprendido a dança do mundo, a coisa de ficar feliz com o que poder contar, no sorriso dos pais, da filha que esperaria mais alguns meses pra nascer, da certeza das sinceras amizades. Me tomou um beijo rápido, e sorrio novamente para mim, para o céu... Sim, amigos, fico pensando onde estaremos daqui a uns 30, 40 anos, se vivo estivermos, de quais coisas nos arrependeremos, se estaremos preocupados, ocupados, se sorriremos como agora, se virá o apocalipse, se haverá ainda força no nosso sorriso, ... sabe, dessas coisas antigas que sempre se pensa em grandes alegrias ou tristezas.   

- Sei que vocês percebem que a chuva que vem se avizinha num cinza em tom estranho e perigoso... Mas, esperemos, sem pressa, até o nascer do dia, cantemos aqui nesta quadra a festa dos minutos intermináveis, nos doces goles de vinho, nos doces e quentes beijos das meninas e dos meninos, no suspiro irrepetível da vida neste intante, da amizade e do amor, destes elementos tão raros à vida! Celebremos!

...Daqui da varanda, nesta bela noite de setembro, minha amiga, bom que lembrei de ti, deste vento frio que não me faz o sofrimento da memória, pois sabemos das danças, das loucuras, dos abraços, da coragem e das verdades ditas na sinceridade dos olhares... dos tempos guardados no frescor do brilho em nossos olhos, ... e que venha e seja sempre o Amor.

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